Fraudes no INSS: Ex-procurador e empresários pedem para anular investigação
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O ex-procurador do INSS Virgílio Antônio Filho e os empresários Maurício Camisotti e Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como "Careca do INSS", pediram à Justiça Federal em Brasília a anulação da investigação sobre fraudes em descontos na Previdência Social de aposentados.
O que aconteceu
Acusados de envolvimento no esquema de desvios questionam o compartilhamento de relatórios do Coaf com a Polícia Federal. As solicitações estão sob sigilo e foram apresentadas à 15ª Vara Federal em Brasília, onde tramita o principal inquérito sobre as fraudes do INSS. Na mira dessa investigação, estão ex-dirigentes do órgão.
A PF não poderia ter solicitado relatórios financeiros sem juiz autorizar. Os suspeitos usaram um entendimento recente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), segundo o qual a PF não poderia solicitar diretamente ao Coaf a produção de relatórios de inteligência financeira (os chamados RIFs) sem ter havido uma autorização prévia do juiz do caso.
A investigação utilizou os relatórios do Coaf para mapear as transações financeiras entre os suspeitos. Essas informações também embasaram pedidos para mandados de buscas e de quebras de sigilo contra os investigados.
Para as defesas, tudo o que foi feito a partir dos relatórios deveria ser invalidado. Advogados desses três investigados argumentam que a tese permitira anular atos da investigação.
Os pedidos aguardam análise da 15ª Vara Federal. Além dos relatórios do Coaf, a PF usa no inquérito auditorias da CGU (Controladoria-Geral da União) e do TCU (Tribunal de Contas da União) que apontaram as suspeitas de fraudes.
Entendimento já foi usado para anular relatórios do Coaf em inquérito que tramita em São Paulo. Juiz da 4ª Vara Federal em São Paulo, Massimo Palazzolo acatou, no dia 6 de junho, argumentos apresentados pela Ambec, uma das entidades investigadas.
Juiz manteve inquérito em andamento. Ele negou o pedido de anular todo o inquérito por entender que há outros elementos que justificam a existência da investigação.
STF derrubou a decisão do juiz de primeira instância. A PGR (Procuradoria-Geral da República) questionou a decisão. O ministro Flávio Dino, relator do recurso no Supremo Tribunal Federal, derrubou a decisão da Justiça Federal de São Paulo. Ele reafirmou que o STF já determinou que o órgão pode compartilhar informações com as autoridades policiais.
Supremo aceita compartilhamento
STF diz que é constitucional. O Supremo determinou que é constitucional o compartilhamento direto de relatórios do Coaf e da Receita Federal com a polícia, seja de maneira espontânea ou a pedido dos policiais, para embasar investigações, independentemente de autorização judicial.
Em maio, o STJ contrariou esse entendimento. Em julgamento na segunda instância, foi apontado que o STF não tinha deixado claro que seria legal o compartilhamento de relatórios a pedido da PF sem autorização do juiz do caso.
PGR já questionou entendimento do STJ. Um recurso foi apresentado em sigilo ao Supremo Tribunal Federal e está sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, mas ainda não foi julgado. Cristiano Zanin, ministro do STF, derrubou em novembro de 2023 outra decisão semelhante do STJ, alegando justamente que ela contrariava o entendimento do Supremo.
Movimentações financeiras indicam propina, diz PF
A PF aponta que o ex-procurador do INSS teria recebido propina. Ao cruzar dados do Coaf com mapeamento de empresas e entidades ligadas aos suspeitos de envolvimento no esquema, os investigadores identificaram que pessoas físicas e jurídicas relacionadas a Virgilio receberam R$ 12 milhões das entidades investigadas desde o início de 2023.
Cerca de R$ 7,5 milhões foram repassados à empresa de mulher de Virgílio. Segundo apuração da PF, o montante foi enviado por uma firma de Antunes a uma empresa da mulher de Virgílio, Thaisa Hoffmann Jonasson. A PF identificou que os valores foram transferidos em apenas cinco meses, de fevereiro a junho de 2024.
Virgílio foi afastado do cargo em abril. Ele foi um dos retirados do cargo durante a operação Sem Desconto, deflagrada em abril deste ano.
Camisotti é apontado pela PF como receptor dos desvios. Seu nome apareceu em uma série de reportagens do portal Metrópoles sobre as fraudes, desde 2023. A partir das reportagens, a PF chegou a uma teia de empresas do setor de saúde e de seguros. "Laranjas" ligados a ele teriam atuado na direção de entidades e repassado cerca de R$ 43 milhões a suas empresas. Os valores foram descobertos a partir dos relatórios do Coaf.
Empresário não aparece como investigado no inquérito em Brasília. Camisotti é alvo somente na investigação em São Paulo. Ainda assim, sua defesa havia pedido que os relatórios que citam seu nome na investigação do DF fossem retirados dos autos.
Operação Sem Desconto derrubou a cúpula do INSS e ministro da Previdência. Além de Virgílio Filho, que teve nome envolvido nas suspeitas de fraudes, o então presidente do órgão, Alessandro Stefanutto, teve de deixar o cargo. Carlos Lupi, que estava à frente da Previdência, também foi demitido por ter demorado a agir.
A PF queria fazer buscas antes, mas segurou para apurar envolvimento de dirigentes. Como mostrou o UOL, a PF queria fazer buscas contra os empresários suspeitos desde, pelo menos, julho de 2024, mas a operação só foi às ruas em abril deste ano devido a uma estratégia da PF e do Ministério Público para atingir dirigentes do INSS e várias entidades suspeitas de uma só vez.
Considerando-se que as representações pela decretação das medidas cautelares vinculadas ao presente inquérito policial estão substancialmente amparadas nas IPJs produzidas a partir da análise dos RIFs obtidos mediante requisição direta, forçoso será convir que as decisões que deferiram os pedidos formulados pela Polícia Federal devem ser revogadas, uma vez que maculadas pela nulidade que atinge os elementos que instruem os referidos autos.
Trecho do pedido da defesa de Antunes à Justiça Federal em Brasília
Dada a inviabilidade da solicitação direta de relatório do Coaf, agora decorrente da consolidação do entendimento por ambas as turmas criminais do eg. STJ, requer-se que sejam desentranhados os RIFs mencionados e reconhecida a nulidade de todos os elementos de investigação deles decorrentes, revestindo-se de ilegalidade absoluta qualquer medida cautelar ou definitiva escorada em tais elementos.
Trecho do pedido da defesa de Maurício Camisotti à Justiça Federal em Brasília
O que dizem os investigados
A advogada de Virgílio reafirma tese. Izabella Borges disse, em nota, que todas as provas produzidas a partir dos relatórios do Coaf devem ser anuladas. Segundo ela, "os Relatórios de Inteligência Financeira foram anexados aos autos pela Polícia Federal sem decisão judicial que autorizasse seu compartilhamento. Devem, portanto, ser desentranhados dos autos os RIFs, assim como reconhecida a nulidade das provas produzidas a partir desses documentos".
A defesa de Antunes não comentou. Disse que só vai se manifestar após haver uma decisão judicial.
Defesa de Camisotti nega crime. Diz que não pediu anulação da investigação, somente do material produzido a partir dos relatórios do Coaf. Em nota, a defesa afirma que todas suas movimentações financeiras são lícitas, possuem origem comprovada e foram declaradas às autoridades.
A defesa do empresário Maurício Camisotti esclarece que não requereu a anulação dos inquéritos em curso, mas sim a exclusão dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) do Coaf anexados aos autos e das provas dele derivadas, em razão da decisão recente do STJ que veda a solicitação direta de RIFs pelas autoridades policiais, sem que tenha autorização judicial. Todas as movimentações financeiras de Maurício Camisotti são lícitas, possuem origem comprovada, estão devidamente documentadas e foram declaradas aos órgãos competentes, conforme determina a legislação brasileira.
Nota da defesa de Maurício Camisotti encaminhada ao UOL
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