Reinaldo Azevedo

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Opinião

Tarcísio suplanta Bolsonaro e somaria Abraão e Moisés. Trataria STF a vara?

Tarcísio de Freitas (Republicanos) resolveu mostrar que é ainda mais, digamos, antigo e tradicionalista do que seu, até aqui, chefe político: o falso Messias e verdadeiro Jair, o tal Bolsonaro. Se este frequentemente se compara a Jesus, o governador de São Paulo preferiu se ligar ao tempo mítico, onde estariam as suas raízes: associou a sua missão e as suas escolhas a Abraão e a Moisés.

É evidente que tamanha ousadia supõe grandes ambições. Nos dois casos, trata-se de se ver como aqueles com os quais o próprio "YHWH" - o nome impronunciável de Deus — falava diretamente. Um sinal de que se tem, com efeito, em altíssima estima. Moisés não tinha tamanho amor próprio, como se verá.

O VÍDEO
Num vídeo publicado em suas redes neste domingo, o governador aparece, como vou dizer?, "pregando" numa igreja que suponho evangélica. Atacou de Gênesis 12:1-3:
"Deus estabelece uma aliança com Abraão, a Aliança Abraâmica, quando ele fala: 'sai da sua casa, sai da sua parentela, sai da casa do seu pai. Para onde? Não importa! 'Eu vou te mostrar o caminho, eu vou te abençoar'. O que é que Abraão fez? Obedeceu."

Aí resolveu apelar a passagens do "Êxodo" (3 e 4):
"Deus fez essa aliança com Moisés: 'Vai lá, liberta meu povo do faraó'. 'Quem sou eu para libertar o meu povo?' O que é que Deus responde para ele? 'Eu sou contigo'. Obediência! Tem uma segunda característica da promessa: dependência, impossibilidade. Deus é o Deus do impossível. Só que Deus é o Deus do impossível e fala pra gente: 'Faça o possível!' O impossível deixa comigo, que eu realizo'".

Santo Tomás de Aquino lembraria a Tarcísio que Deus é onipotente para as causas possíveis, ou poderia criar uma pedra que nem ele próprio pudesse carregar, o que destruiria a onipotência, mas vá lá...

Assistam ao vídeo: o governador fala com ar de triunfo, de confiança, com o olhar fixo no futuro... Um profeta! Então vamos pensar.

Um político, pré-candidato à Presidência da República, o preferido "duzmercáduz", da quase totalidade do empresariado, do agro, da mídia, bem, alguém com esses apoios não publica um vídeo como esse por acaso. Depois de 18 horas, enquanto escrevo, o alcance no X é pequeno, mas a postagem rendeu elogios de lideranças político-evangélicas, a exemplo de Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara. E ganhou destaque na grande imprensa.

Como não é nem Abraão nem Moisés, deve-se supor que, na sua fala, o faraó não é o faraó, e a parentela não é a parentela...

QUIS DIZER O QUÊ?
Não é a primeira vez que ele promete libertar o país de suas amarras. Quando fala ao mercado financeiro, refere-se, claro!, ao governo Lula e ao PT. Numa igreja evangélica, aí é melhor atacar o faraó, ainda que inexista um miserável indicador social que não seja melhor na atual gestão quando se a compara com a de Bolsonaro, cujo legado o governador defende. O Deus do "Velho Testamento" não era bolinho com o povo ao qual era hostil, a exemplo do que teria feito com os egípcios. Por aqui, não vivemos as 10 pragas: bastou uma única para sapateou sobre os corpos de quase 700 mil pessoas e tramar um golpe de estado.

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Que Tarcísio faça alusões dessa natureza a adversários políticos, convenham, não é surpreendente.

DANDO UM OLÉ EM BOLSONARO?
É evidente que ele se considera não só o Moisés da libertação como o Abraão da nova descendência, que há de povoar e dominar, no caso, não toda a Terra, mas o país ao menos. Ocorre que há um preço a pagar: abandonar a sua casa, a casa do seu pai, a casa da sua parentela.

Como não consta que vá deixar, por ora, o Palácio dos Bandeirantes para comprar cigarro e não voltar, ele terá de sair de um "lugar político" para cumprir a sua missão. Está a dizer: "A minha tarefa não pode depender da vontade de meu patrono, Jair Bolsonaro. A minha aliança é com Deus."

Estaria eu inferir que poderia romper com o seu 'pai político' para ser candidato?" Não. Estou a sustentar que ele se vê convocado por um chamado do além — mais ou menos como sugere certo colunismo, mesmo sem apelos bíblicos — só os da servidão voluntária.

Como Tarcísio está se apresentando para o jogo, temos de fazer a ele a pergunta que se tornou obrigatória a todo postulante à Presidência que se coloca como um herdeiro e continuador de Bolsonaro, a exemplo do que já escrevi aqui:
"O senhor se comprometeu com Bolsonaro a conceder indulto aos condenados e a dar um golpe caso o Supremo venha a considerar o procedimento inconstitucional? O senador Flávio Bolsonaro informou que essa é uma exigência para contar com o apoio do ex-presidente. O senhor passaria por cima do STF em 2027 ou apoiaria alguém que o fizesse?"

Vamos ver o que responde uma liderança que, além de ter contato direto com Deus, soma numa só figura as alianças abraâmica e mosaica.

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E olhem que Tarcísio ainda pode botar banca em Moisés, né? Afinal, aquele, muito provavelmente, era gago, como sugere Êxodo 4:10: "Ah, meu Senhor! Eu não sou homem eloquente, nem de ontem nem de anteontem, nem ainda desde que tens falado ao teu servo; porque sou pesado de boca e pesado de língua".

O governador fala fácil, é ligeiro. Agora resta saber: assumiria o compromisso com Bolsonaro de conceder indulto aos golpistas? Se o STF declarasse a medida inconstitucional — e é —, brandiria a sua vara e inundaria o tribunal, com todos os que há lá dentro? Sim ou não?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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